domingo, 30 de novembro de 2008

O Que Pais Podem Fazer para Ajudar Crianças de Qualquer Idade



Eu não gosto muito de listas. "Listas do que fazer", então, me lembram livros de auto-ajuda, que também não gosto, por princípio (apesar de ter lido boas exceções). Enquanto escrevia uma postagem sobre crianças divorciadas, comecei a listar idéias em um bloco de notas, e foi nisso que deu. Olhando de uma outra maneira, acredito que são coisas que todos nós, pais, casados ou não, deveríamos considerar em termos de atentividade para com as nossas crianças. Não são "lições". São minhas impressões, portanto podem não ser as suas.
A belíssima ilustração aí em cima é do blog (c) Muitos Desenhos, de Mariana Massarani, ilustradora, que eu adoro.

O que os pais podem fazer para ajudar crianças de qualquer idade
  • Crianças precisam saber o quanto são amadas por seus pais. Seja demonstrativo, não apenas fale, mas demonstre afeto em suas ações.
  • Crie um ambiente de proteção, e mesmo quando os conflitos ocorrerem - porque ocorrem e ocorrerão - procure minimizar o impacto perante a criança, reconsiderando a situação de modo a que ela possa compreendê-la. Não acho que uma criança precisa ser totalmente privada dos conflitos familiares - afinal, ela vive e pertence àquela família - mas é necessário ponderar o conflito para o contexto e nível de compreensão da criança.
  • Permita que a criança expresse seus sentimentos. A expressão verbal nem sempre é a melhor forma de comunicação. A brincadeira, o desenho, o jogo e outras formas de expressão são mais apropriadas para a comunicação da criança. Brincar, em qualquer estágio de desenvolvimento, sozinha ou com adultos e amigos, ajuda a criança a desenvolver-se emocional, intelectual e socialmente.
  • Dedique tempo para sua criança. Há uma discussão sobre "tempo qualitativo", que é, ao meu ver, uma meia-verdade. Todo o tempo com a criança tem que ser de qualidade, mas é necessária uma "quantidade" de tempo também.
  • Crianças precisam de seu próprio tempo, entretanto. Tempo para si, para brincar só, tempo para fazer suas próprias coisas, a seu modo e desejo. Permita que a criança explore seu próprio tempo, a seu modo. Agendas superlotadas e rotinas muito rigorosas são uma ameaça ao desenvolvimento saudável da criança.
  • Todavia, crianças também precisam de rotina e continuidade. O estabelecimento de hábitos e rotinas, com seus horários e rituais, facilita o senso de segurança, pertenência e a percepção de controle da criança sobre seu ambiente. Complementando o item anterior, esta rotina pode ser flexibilizada, o que é bom também para o desenvolvimento da noção de plasticidade da vida.
  • Regras e normas de conduta são necessárias. Minha noção de limite não representa um obstáculo - às vezes é - mas principalmente um caminho. Regras razoáveis para a idade e para as características particulares da criança facilitam seu desenvolvimento.
  • Crianças, especialmente as mais velhas, precisam de uma "comunidade de desenvolvimento". Permita que, na medida do possível, a criança possa conviver com seus parentes (tios, primos, avós), ou amigos (e seus filhos).
  • Tome cuidado de você. Cuide-se. Crianças precisam perceber que os adultos que cuidam delas se alimentam bem, preocupam-se com sua qualidade de vida, tem uma adequada imagem de si mesmos, sabem de seus potenciais - e os utilizam, reconhecem suas limitações - e as expressam, quando necessário. Crianças com cuidadores atentos para si próprios (o que não quer dizer narcisistas e egocêntricos), também desenvolvem auto-estima e auto-apreço.

sábado, 29 de novembro de 2008

Crianças descasadas


Mariana (*), 7 anos, quer ser advogada. "Que legal", digo eu, e pergunto por quê, e ela me responde, "pra ajudar a mamãe na separação com o papai". A mãe, que (também) é advogada, sorri, meio amarelo, mas percebo uma certa tensão. Não é dificil compreender por quê. Sílvia (*) me relata que não tem sido fácil sustentar a relação com o ex-marido, e ela frequentemente se pergunta se, de fato, a vida melhorou depois que se separaram, há cerca de dois anos. As brigas eram constantes, muitas vezes na frente da menina, mas agora eles continuam brigando, mas com um grau de agressividade muito mais explícito. E, como a única coisa que os mantêm próximos é o cuidado de Mariana, inevitavelmente os assuntos e as brigas giram em torno da criança.

Não importa a idade, crianças têm limitações de compreender o que está ocorrendo durante um divórcio, o que os pais sentem, e por quê. Apesar das limitações, as crianças continuam tentando interpretar - à luz de seus recursos - a situação, que na maioria das vezes, é tensa e conflituosa.

As crianças tendem a ver as coisas de sua própria perspectiva, vale dizer, elas vêem a si mesmas como causadoras dos eventos conflituosos entre os pais. Crianças muito pequenas frequentemente culpam a si próprias ou inventam razões imaginárias para a separação de seus pais. O medo é um frequente visitante na mente dessas crianças - medo de que seus pais simplesmente saiam pela porta e nunca mais voltem; medo de que seu pai adoeça longe do cuidado de sua mãe (e morra); medo de que o pai/a mãe não o(a) ame mais; medo de que o ladrão (ou o bicho-papão) agora entre em casa, já que o pai não está mais; medo de que o Papai-Noel não venha no Natal (afinal ela não foi uma boa criança); medo de que o Demônio leve a todos pro inferno, mas principalmente a ela, que causou a separação dos pais, medo...medo...

É inevitável que a solução mágica apareça, como um aplacador desses medos: meus pais um dia vão voltar a ficar juntos. Não raro, este sentimento também é manifesto de forma inconsciente pelo desejo de um dos pais (ou até de ambos!). Mesmo quando experimentam violência entre os pais (expressa por abuso físico, mas mais comumente verbal), as crianças continuam a exercitar um profundo senso de lealdade para ambos os pais.

Mas certas vezes, este processo gera um tremendo esforço na mente ainda imatura de uma criança. Ao lado da mãe, há a tendência de que a criança passe a "negar" o pai, a dizer que não quer mais sair ou conversar com ele, a minimizar sua importância - o que é valorado pela mãe, naturalmente, magoada pelas situações frequentes de abuso verbal. Costumo ouvir de mães que seu/sua filho(a) "amadureceram muito" após a separação, e "resolveram" muito rapidamente a situação, e citam exemplos tais como "o pai dela não veio no aniversário e ela disse, 'tudo bem, mãe, eu não ligo'", ou "ele ouviu uma discussão séria entre nós, e no final de semana, não quis sair com o pai". Esta situações representam, usualmente, um processo dolorido e uma grande sobrecarga para a criança. A medida em que os pais continuam as discussões, a criança é capturada - até porque na absoluta maioria das vezes ela é o tema - e se vê obrigada a tomar partido, agradando a ambos os pais. Um peso e tanto para uma criança.

Vivencio isto em relação a situações de doença. Quando uma criança adoece na presença de um dos pais (no final-de-semana com o pai, por exemplo), é usual que a mãe culpe o pai pelo descuido. Um outro dia, uma mãe se queixou que sua filha tinha passado o final de semana com o pai, e apresentou febre desde o sábado pela manhã. Como a febre não melhorava, imagine a confusão criada quando, no Domingo a noite, a mãe se deu conta que o pai vinha administrando Dipirona (um anti-termico), em gotas, na narina da criança febril, porque também estava com o nariz obstruído. Imagine, então, o que passa na cabeça da criança quando ouve seus pais brigarem por que, ao final das contas, ela, a criança, estava doente, e o outro, o pai, não pôde cuidar adequadamente. "A culpa é minha, eu é que fiquei doente".

Não sei se li em algum lugar, mas gosto de usar o termo "criança descasada", ou seja, uma criança sem o casal original, para descrever a situação de uma criança envolvida na separação de seus pais. Não quero aqui, é bom enfatizar, desconsiderar a notável mudança na teia social em relação a organização das famílias de hoje (famílias de mãe-e-filho, ou pai-e-filho; famílias de avós-e-filho; famílias de casais homoafetivos-e-filho; famílias de filhos mais velhos-e-filho mais novo). Acompanho todas essas situações no consultório, e tenho a felicidade de compartilhar da alegria de muitos desses (novos) núcleos familiares. Nada impede que uma reorientação familiar seja bem sucedida, e uma criança descasada pode se desenvolver com amor, suporte e harmonia no seio das famílias novas que surgem (porque mesmo quando os pais separam e permanecem sós, são duas novas famílias que surgem).

O ponto é: há se de cuidar do broto, como diz Milton Nascimento, e, por mais difícil que possa ser (e é muito difícil), os pais têm que atuar atentivamente com seu filho. Fiz uma lista (hmm, essas listas....) que é bem genérica, mas talvez possa ajudar no meu conceito de atentividade para com uma criança.

E Mariana (*), e Sílvia (*) , e tantas outras mães, pais e crianças descasadas com quem convivo, espero que encontrem seu equilíbrio.

(*) nomes fictícios.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Receita de Saúde

Gabriela tem seis anos. Veio ao meu consultório com seu irmão, de quatro anos. Examinei-a primeiro, após conversar com seu pai. Quando chegou a vez do irmão, fez questão de dizer que iria "me ajudar a atendê-lo". Brincamos juntos enquanto examinava o mais novo, e, na hora de escrever, pedi-lhe que fizesse uma "receita" pro irmão, que estava muito bem. E ela escreveu:


Fiquei pensando: por que que a gente perde essa naturalidade? Essa esperteza? Essa simplicidade? Gabriela me abriu os olhos.

"Comer normal", comer o natural, o necessário, sem excessos, sem artificialidades. "Na cama cedo", dormir é bom, lazer para o corpo e para a mente. "Bom apetite" para as coisas boas da vida, ter fome de vida, comida e arte. "Comportado", porque não vivemos sós, vivemos com gente, e falta muito de civilidade, solidariedade, espírito coletivo e preocupação ecológica - comportar-se é fundamental.

Gabriela é uma pequena e notável filósofa, uma sábia em tempos de racionalidade vazia de sentido e de vida.


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