quarta-feira, 6 de agosto de 2008

"Fantasmas da criação"


Outro dia conversava com um casal que tinha acabado de ganhar um bebê - literalmente, pois tinham sido presenteados com um menino gracioso de 5 dias de vida e aceitaram adotá-lo. O casal não tinha filhos, já era um casal há muitos anos, e agora tinham um bebê. O que me interessa agora é comentar que o pai me falava que tinha muitas expectativas e dúvidas quanto à criação de seu filho. Sua experiência pessoal, como filho de seus pais fora muito marcante, segundo ele. Seu pai, para que se tenha uma idéia, mantinha sempre pendurado à parede de casa um conjunto de chicote e esporas de vaqueiro, como símbolo de sua autoridade, e, me conta esse pai, chegou a usá-los muitas vezes. Coube a esse meu cliente herdar a véstia, dentre uma família de muitos filhos homens.

Esse meu cliente me comentava sobre como o comportamento de seu saudoso pai influenciava suas decisões acerca dos cuidados desse novo rebento que estava em suas mãos. E que como seria diferente. Longe de ostentar chicote e esporas, pretendia se constituir em um amigo de seu filho, e procuraria trabalhar a autoridade de outra forma.

É interessante como essas coisas ocorrem. Pais dedicados, afetuosos, apaixonados, se envolvem com seu filho e procuram criar um ambiente que seja sensivelmente sustentador do temperamento e da individualidade da criança. À medida em que fazem isto, suas experiências pessoais passam a influenciar suas ações, naturalmente. Selma Fraiberg usa o termo fantasmas da criação para se referir a experiências importantes do passado que dominam - conscientemente ou não - o comportamento dos pais, determinando seus preconceitos e suas ações.

Quando traz à tona sua própria experiência pessoal com seu pai, esse novo pai encara seus fantasmas, e se torna apto a refletir sobre eles, e se apropriar de seu próprio modo de agir diante dos cuidados de seu filho. Mesmo que reproduza - e isto é por vezes inevitável - ações de seus antepassados - esse pai constrói sua muito própria relação com seu menino. Longe de julgar se o avô agiu certo ou errado, pois trata-se de um outro tempo, uma outra ética, uma outra cultura, outros valores, outra educação, coube a mim celebrar a chegada desse novo sujeito, e desse pai em construção.

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