sábado, 3 de janeiro de 2009

Ano-novo




(Dia primeiro, toca o celular)

-amn...humpf...Alô...
-Olá, Doutor! Bom dia! É Fulana!
-amn...humpf...olá, Fulana!
-Tou ligando pra desejar um excelente ano novo, doutor! Tudo de bom, muita saúde...! Obrigado por tudo em 2008! Obrigado pela sua atenção e paciência!
-amn...humpf... OK, Fulana, obrigado...eh...o mesmo pra vocês também... mas...Fulana....são... 7 da manhã!
-ah...ah é... Pois é!... ah... pois é, aproveitando, é que a fulaninha tá com uma coceira danada, será que é piolho, hein, doutor?
- ... (*suspiro*) pode ser, Fulana...pode ser.... 

domingo, 28 de dezembro de 2008

Cinco Intenções de Ano-novo

Tá bem, tá bem, eu sei que essas listas de ano-novo estão em baixa, mas é por isso mesmo que eu vou postar a minha - para mim, o ano que começa é uma marca das possibilidades, da esperança, do porvir renovado; é sim um estado de espírito, mas, afinal, não é isso mesmo?

Além do mais, acredito que, para muitos de nós, resoluções de ano-novo são um exercício subconsciente de auto-comiseração: Vou perder peso, significa uma mensagem para si próprio: "Estou gordo"; Vou ligar para meus pais toda semana, pode significar "sou egoísta e ingrato". Então estou me propondo a elaborar minha lista de intenções, não de resoluções, e vou me colocar dentro delas.

Eu sei que sou ambicioso: o gênio-da-lâmpada concedia três desejos, eu trago cinco intenções. Desde que venham, em parte ou no todo, um por mês ou todos de uma vez, eu ficaria feliz se em 2009, os seguintes desejos se realizassem:

Intenção 1: Que as crianças tenham uma idéia do paraíso.

Uma amiga é professora da rede pública municipal de ensino. Ela nos disse há algum tempo que uma menina tinha como desejo provar uma maçã, que achava lindo maçãs, mas nunca tinha as provado. Minha amiga e seus próximos providenciaram isto, e a menina se encantou com o gosto das maçãs, e de outras frutas. Para esta criança, o mundo bom, o mundo possível, o mundo que valha a pena c
onstruir, passou por aquela maçã. Fazer uma criança provar do gosto bom do mundo, isso 
minha amiga vem tentando fazer - não é fácil em algumas circunstâncias, mas é necessário. Desejo que mais crianças tenham esse gosto, e que eu possa de alguma forma ajudar.

Intenção 2: Que as famílias tenham perspectivas.

Acho que as famílias são o núcleo, mesmo. E que, de alguma forma, é o que acontece no(s) núcleo(s) familiar(es) que orienta o 
que somos, o que seremos, o que fazemos e o que faremos. Então, quando as famílias olham pra frente e não vêem futuro, acho que falhamos como sociedade. Cresce o mundo quando há um sopro de perspectiva para as pessoas. Quando um pai e uma mãe dizem para seus filhos que a vida pode ser boa, apesar de tudo. Quando isso falta, quando os pais não 
apontam futuro para os seus, porque eles próprios não se incluem nesse futuro, perdemos. Que as famílias tenham a noção de perspectiva, e que eu possa envolver minha familia em algum 
mecanismo de construção desta noção para outras famílias.

Intenção 3: Que se possa desenvolver a transcendência.

Minha visão de mundo é uma visão atravessada pela moral cristã. Cresci em um ambiente católico, professo esta fé e tento, de algum modo, exercer seus valores. É inevitável que uma lista de intenções como essa considere que há uma necessidade preemente de um resgate de mais destes valores espirituais. Leonardo Boff defende que os homens são seres de enraizamento e de abertura, ou seja, têm raiz e dependem do material e do concreto (a imanência), mas são 
voltados para o infinito, e têm a abertura, a transcendência: os homens são um projeto infinito. Então, que possamos desenvolver nossa transcendência, sem perder a noção de que somos imanentes e dependentes, também. Aliás, uma boa leitura para este período: Tempo de Transcendência, de Leonardo Boff, disponível aqui.

Intenção 4: Que possamos ser mais criativos.

Acho que a criatividade define o humano. O potencial criativo do ser humano é impressionante. Há muito o que possamos fazer para desenvolvê-lo. Acredito que a arte é um bom caminho, defendo-a para nossas crianças. Qualquer forma de arte, qualquer arte. A arte e a cultura nos abrem horizontes. Quero propor mais formas de arte para os meus, e que eu possa também praticar mais arte em minha vida. E que a criatividade tome conta dos ambientes em que convivemos, e que possamos explorar ao máximo nosso potencial de desenvolvimento, e com isso nos reinventarmos e recriarmos nosso futuro.

Intenção 5: Que possamos alcançar um equilíbrio entre o pessoal e o coletivo.
O meu maior desafio em 2009: juntar na balança o ócio e a realidade, o trabalho e o lazer, o pessoal e o coletivo, do privado e do público. Afinal, acho que uma coisa alimenta a outra. É necessário um equilíbrio, sob pena de curto, de corte, de dano. Nossas crianças precisam disto, porque nós precisamos disto. O símbolo aí do lado é o zen, que representa a clarividência, simplicidade e abertura. Esse é o caminho, ser mais simples, mais aberto para as coisas, buscar o centro, o equilíbrio.

Não, amiga e amigo, não sou arauto da auto-ajuda. Nem tenho intenção de convencer ninguém a nada. Essa lista é minha - só que a reflito para você, compartilho-a.



domingo, 14 de dezembro de 2008

E o Papai-Noel?


Alguns pais me perguntam sobre como deveriam tratar o assunto "Papai Noel" com seus filhos. Digo a eles o que disse em uma entrevista à TV Unifor, da minha Universidade:


http://www.unifor.br/oul/unsecure.jsp?MultimidiaPortal2.do?method=abrir&obraCodigo=75981

E concordo também com o que disse o meu colega Prof. de Psicologia João Jaime, também no mesmo vídeo.

sábado, 6 de dezembro de 2008

Direto ao ponto


Atendo Fábio*, 9 anos, com sua mãe no consultório, em uma situação de urgência. Desde o início da manhã havia apresentado fortes dores de barriga, andava encurvado de tanta dor. Apresentou febre, e tinha uma história de que, no final de semana imediatamente anterior, frequentara um galinheiro (!) em um sítio. Já viu, né? Muita "novidade" junta em uma criança maravilhosa que não costuma fazer charminho. Mandei vir na clínica, assim que pude atender.
Examino o Fábio - realmente abatido - enquanto converso com sua mãe, explico algumas possibilidades, teríamos que afastar alguns quadros mais severos (apendicite, hepatite), solicitei alguns exames, mas conclui que minha principal hipótese é de que se tratasse mesmo de uma enterite viral (uma inflamação simples dos intestinos provocada por um vírus).
Ao final da consulta, pergunto para o Fábio, "e aí, você tem mais alguma dúvida?"
E ele, "Eu vou morrer?"
Dei-me conta que todo o discurso, toda a explicação, tudo o que disse para a mãe teria de ser re-discursado, re-explicado, re-dito para ele - é claro. E que, mais do que nunca, em situações de apreensão como aquela, a criança precisa ser considerada - por pais e profissionais - em discussões ou decisões.
É aquela história: você sabe disso. Você usa isso. Mas, às vezes, você se esquece. Valeu, Fábio - que está bem melhor a essa altura - pela re-lembrança. A gente tem mesmo que estar sempre atento pra essas necessidades de comunicação entre profissional e a criança.

*nome fictício.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

As crianças estão perdendo suas habilidades de brincar?

Li em um artigo científico ontem: Crianças estão perdendo sua criatividade natural a partir de atividades super-estruturadas e brinquedos hi-tech. Puxa.
Segundo os autores, habilidades inatas de brincar são perdidas se as crianças são superdirecionadas a cursos e programação estrita em seus tempos livres. Mesmo em escolas, tal atitude tem impacto quando não há oportunidades de exercitar o ócio criativo, devido à extrema regulamentação do tempo.
O estudo se entitula O Problema das crianças do século XXI (The trouble with 21st century kids), compilado por Peter Smith, professor de Psicologia no Goldsmiths College, Universidade de Londres, e a nutricionista Rachel Biggins. O relatório diz:

"Alguma estruturação do brincar pode ser útil de modo a facilitar o engajamento das crianças, mas isto não deve ir muito longe. Atividades de brincar muito regimentadas podem ter consequências negativas no desenvolvimento social e emocional de uma criança porque tais atividades são demasiadamente organizadas, e quebram a iniciativa e liberdade de escolha da criança. Em contraste, brincadeiras em estilo livre encorajam o criativo e multisensorial desenvolvimento da criança pela sua natural falta de estrutura".Brincadeiras ou jogos com regras, em que é o desfecho que motiva a participação, treinam padrões de pensamento na criança, deixando menos tempo para o pensamento criativo e imaginativo, que aí se estabelece e amadurece".

O relatório adverte para o potencial problema de videogames e televisão: "Apesar de ser dito que existe algum efeito positivo destas atividades, tal qual coordenação mão-olho, existe uma preocupação crescente de que crianças estão gastando cada vez mais tempo em hábitos sedentários que inibem seu bem-estar mental e físico". Os especialistas concordam que programas e brincadeiras pré-programadas monopolizam o cérebro, porque crianças respondem a um cenário construído por alguém e isto parece ter um impacto sobre sua criatividade.
Muito bem. Aparentemente, nada de novo. Isso todo mundo já "sabe". O que traz o tal relatório de diferente, ou importante? Ele consolida evidências de muitos estudos de bom padrão, e aponta uma tendência para este século - que ainda está começando, para uma geração que ainda tem tempo e condições de mudar!
Este é o desafio: reorientar as práticas de brincadeira de nossas crianças, antes que a tendência se materialize...

domingo, 30 de novembro de 2008

O Que Pais Podem Fazer para Ajudar Crianças de Qualquer Idade



Eu não gosto muito de listas. "Listas do que fazer", então, me lembram livros de auto-ajuda, que também não gosto, por princípio (apesar de ter lido boas exceções). Enquanto escrevia uma postagem sobre crianças divorciadas, comecei a listar idéias em um bloco de notas, e foi nisso que deu. Olhando de uma outra maneira, acredito que são coisas que todos nós, pais, casados ou não, deveríamos considerar em termos de atentividade para com as nossas crianças. Não são "lições". São minhas impressões, portanto podem não ser as suas.
A belíssima ilustração aí em cima é do blog (c) Muitos Desenhos, de Mariana Massarani, ilustradora, que eu adoro.

O que os pais podem fazer para ajudar crianças de qualquer idade
  • Crianças precisam saber o quanto são amadas por seus pais. Seja demonstrativo, não apenas fale, mas demonstre afeto em suas ações.
  • Crie um ambiente de proteção, e mesmo quando os conflitos ocorrerem - porque ocorrem e ocorrerão - procure minimizar o impacto perante a criança, reconsiderando a situação de modo a que ela possa compreendê-la. Não acho que uma criança precisa ser totalmente privada dos conflitos familiares - afinal, ela vive e pertence àquela família - mas é necessário ponderar o conflito para o contexto e nível de compreensão da criança.
  • Permita que a criança expresse seus sentimentos. A expressão verbal nem sempre é a melhor forma de comunicação. A brincadeira, o desenho, o jogo e outras formas de expressão são mais apropriadas para a comunicação da criança. Brincar, em qualquer estágio de desenvolvimento, sozinha ou com adultos e amigos, ajuda a criança a desenvolver-se emocional, intelectual e socialmente.
  • Dedique tempo para sua criança. Há uma discussão sobre "tempo qualitativo", que é, ao meu ver, uma meia-verdade. Todo o tempo com a criança tem que ser de qualidade, mas é necessária uma "quantidade" de tempo também.
  • Crianças precisam de seu próprio tempo, entretanto. Tempo para si, para brincar só, tempo para fazer suas próprias coisas, a seu modo e desejo. Permita que a criança explore seu próprio tempo, a seu modo. Agendas superlotadas e rotinas muito rigorosas são uma ameaça ao desenvolvimento saudável da criança.
  • Todavia, crianças também precisam de rotina e continuidade. O estabelecimento de hábitos e rotinas, com seus horários e rituais, facilita o senso de segurança, pertenência e a percepção de controle da criança sobre seu ambiente. Complementando o item anterior, esta rotina pode ser flexibilizada, o que é bom também para o desenvolvimento da noção de plasticidade da vida.
  • Regras e normas de conduta são necessárias. Minha noção de limite não representa um obstáculo - às vezes é - mas principalmente um caminho. Regras razoáveis para a idade e para as características particulares da criança facilitam seu desenvolvimento.
  • Crianças, especialmente as mais velhas, precisam de uma "comunidade de desenvolvimento". Permita que, na medida do possível, a criança possa conviver com seus parentes (tios, primos, avós), ou amigos (e seus filhos).
  • Tome cuidado de você. Cuide-se. Crianças precisam perceber que os adultos que cuidam delas se alimentam bem, preocupam-se com sua qualidade de vida, tem uma adequada imagem de si mesmos, sabem de seus potenciais - e os utilizam, reconhecem suas limitações - e as expressam, quando necessário. Crianças com cuidadores atentos para si próprios (o que não quer dizer narcisistas e egocêntricos), também desenvolvem auto-estima e auto-apreço.

sábado, 29 de novembro de 2008

Crianças descasadas


Mariana (*), 7 anos, quer ser advogada. "Que legal", digo eu, e pergunto por quê, e ela me responde, "pra ajudar a mamãe na separação com o papai". A mãe, que (também) é advogada, sorri, meio amarelo, mas percebo uma certa tensão. Não é dificil compreender por quê. Sílvia (*) me relata que não tem sido fácil sustentar a relação com o ex-marido, e ela frequentemente se pergunta se, de fato, a vida melhorou depois que se separaram, há cerca de dois anos. As brigas eram constantes, muitas vezes na frente da menina, mas agora eles continuam brigando, mas com um grau de agressividade muito mais explícito. E, como a única coisa que os mantêm próximos é o cuidado de Mariana, inevitavelmente os assuntos e as brigas giram em torno da criança.

Não importa a idade, crianças têm limitações de compreender o que está ocorrendo durante um divórcio, o que os pais sentem, e por quê. Apesar das limitações, as crianças continuam tentando interpretar - à luz de seus recursos - a situação, que na maioria das vezes, é tensa e conflituosa.

As crianças tendem a ver as coisas de sua própria perspectiva, vale dizer, elas vêem a si mesmas como causadoras dos eventos conflituosos entre os pais. Crianças muito pequenas frequentemente culpam a si próprias ou inventam razões imaginárias para a separação de seus pais. O medo é um frequente visitante na mente dessas crianças - medo de que seus pais simplesmente saiam pela porta e nunca mais voltem; medo de que seu pai adoeça longe do cuidado de sua mãe (e morra); medo de que o pai/a mãe não o(a) ame mais; medo de que o ladrão (ou o bicho-papão) agora entre em casa, já que o pai não está mais; medo de que o Papai-Noel não venha no Natal (afinal ela não foi uma boa criança); medo de que o Demônio leve a todos pro inferno, mas principalmente a ela, que causou a separação dos pais, medo...medo...

É inevitável que a solução mágica apareça, como um aplacador desses medos: meus pais um dia vão voltar a ficar juntos. Não raro, este sentimento também é manifesto de forma inconsciente pelo desejo de um dos pais (ou até de ambos!). Mesmo quando experimentam violência entre os pais (expressa por abuso físico, mas mais comumente verbal), as crianças continuam a exercitar um profundo senso de lealdade para ambos os pais.

Mas certas vezes, este processo gera um tremendo esforço na mente ainda imatura de uma criança. Ao lado da mãe, há a tendência de que a criança passe a "negar" o pai, a dizer que não quer mais sair ou conversar com ele, a minimizar sua importância - o que é valorado pela mãe, naturalmente, magoada pelas situações frequentes de abuso verbal. Costumo ouvir de mães que seu/sua filho(a) "amadureceram muito" após a separação, e "resolveram" muito rapidamente a situação, e citam exemplos tais como "o pai dela não veio no aniversário e ela disse, 'tudo bem, mãe, eu não ligo'", ou "ele ouviu uma discussão séria entre nós, e no final de semana, não quis sair com o pai". Esta situações representam, usualmente, um processo dolorido e uma grande sobrecarga para a criança. A medida em que os pais continuam as discussões, a criança é capturada - até porque na absoluta maioria das vezes ela é o tema - e se vê obrigada a tomar partido, agradando a ambos os pais. Um peso e tanto para uma criança.

Vivencio isto em relação a situações de doença. Quando uma criança adoece na presença de um dos pais (no final-de-semana com o pai, por exemplo), é usual que a mãe culpe o pai pelo descuido. Um outro dia, uma mãe se queixou que sua filha tinha passado o final de semana com o pai, e apresentou febre desde o sábado pela manhã. Como a febre não melhorava, imagine a confusão criada quando, no Domingo a noite, a mãe se deu conta que o pai vinha administrando Dipirona (um anti-termico), em gotas, na narina da criança febril, porque também estava com o nariz obstruído. Imagine, então, o que passa na cabeça da criança quando ouve seus pais brigarem por que, ao final das contas, ela, a criança, estava doente, e o outro, o pai, não pôde cuidar adequadamente. "A culpa é minha, eu é que fiquei doente".

Não sei se li em algum lugar, mas gosto de usar o termo "criança descasada", ou seja, uma criança sem o casal original, para descrever a situação de uma criança envolvida na separação de seus pais. Não quero aqui, é bom enfatizar, desconsiderar a notável mudança na teia social em relação a organização das famílias de hoje (famílias de mãe-e-filho, ou pai-e-filho; famílias de avós-e-filho; famílias de casais homoafetivos-e-filho; famílias de filhos mais velhos-e-filho mais novo). Acompanho todas essas situações no consultório, e tenho a felicidade de compartilhar da alegria de muitos desses (novos) núcleos familiares. Nada impede que uma reorientação familiar seja bem sucedida, e uma criança descasada pode se desenvolver com amor, suporte e harmonia no seio das famílias novas que surgem (porque mesmo quando os pais separam e permanecem sós, são duas novas famílias que surgem).

O ponto é: há se de cuidar do broto, como diz Milton Nascimento, e, por mais difícil que possa ser (e é muito difícil), os pais têm que atuar atentivamente com seu filho. Fiz uma lista (hmm, essas listas....) que é bem genérica, mas talvez possa ajudar no meu conceito de atentividade para com uma criança.

E Mariana (*), e Sílvia (*) , e tantas outras mães, pais e crianças descasadas com quem convivo, espero que encontrem seu equilíbrio.

(*) nomes fictícios.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Receita de Saúde

Gabriela tem seis anos. Veio ao meu consultório com seu irmão, de quatro anos. Examinei-a primeiro, após conversar com seu pai. Quando chegou a vez do irmão, fez questão de dizer que iria "me ajudar a atendê-lo". Brincamos juntos enquanto examinava o mais novo, e, na hora de escrever, pedi-lhe que fizesse uma "receita" pro irmão, que estava muito bem. E ela escreveu:


Fiquei pensando: por que que a gente perde essa naturalidade? Essa esperteza? Essa simplicidade? Gabriela me abriu os olhos.

"Comer normal", comer o natural, o necessário, sem excessos, sem artificialidades. "Na cama cedo", dormir é bom, lazer para o corpo e para a mente. "Bom apetite" para as coisas boas da vida, ter fome de vida, comida e arte. "Comportado", porque não vivemos sós, vivemos com gente, e falta muito de civilidade, solidariedade, espírito coletivo e preocupação ecológica - comportar-se é fundamental.

Gabriela é uma pequena e notável filósofa, uma sábia em tempos de racionalidade vazia de sentido e de vida.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Credo

Penso (ou sinto) muito como o Poeta Mário Quintana, que me encanta com sua poesia; esta é atribuída a ele:

Sentir primeiro, pensar depois
Perdoar primeiro, julgar depois
Amar primeiro, educar depois
Esquecer primeiro, aprender depois

Libertar primeiro, ensinar depois
Alimentar primeiro, cantar depois

Possuir primeiro, contemplar depois
Agir primeiro, julgar depois

Navegar primeiro, aportar depois
Viver primeiro, morrer depois

terça-feira, 9 de setembro de 2008

A criança doente, parte I

Talvez em poucos momentos a medicina requeira tanta observação, intuição, experiência e instinto quando diante de uma criança que se aparenta enferma. Li certa vez que a Pediatria e a Medicina Veterinária se assemelham, neste ponto: 1) ambas trabalham com indivíduos que não manifestam verbalmente seus desconfortos; 2) tanto crianças como animais doentes recusam-se a comer, ficam "abatidinhos", dependem de outros para o atendimento de suas necessidades e, quando doentes, preferem ficar quietos e sós. Neste sentido, o papel dos pais é essencial: há um dito de Auguste Bier (1861-1949) que diz que "uma mãe esperta frequentemente faz um melhor diagnóstico do que um médico ruim".

De fato, talvez 70 a 80% dos diagnósticos em Pediatria são feitos baseados na história trazida pelos pais. Fortunadamente, a grande maioria dos pais - particularmente a mãe - é um bom termômetro do bem-estar de seus filhos - se o profissional for capaz de ouvi-los.

Entretanto, existem sinais que orientam a decisão quanto à gravidade do adoecimento de uma criança, e precisam ser considerados, por pais e pediatras:
  • Choro agudo, constante (sugere dor);
  • Alternância entre sonolência, sedação e irritabilidade;
  • Convulsão;
  • Recusa a se alimentar ("recusa" quer dizer, não aceitar absolutamente nada), por três ou mais ofertas;
  • Vômitos repetidos;
  • Dificuldade de respirar e frequência respiratória muito elevada (principalmente quando o nariz não está obstruído).
Costumo dizer para as pessoas que atendo que o estado geral da criança é o melhor indicador de que ela está bem ou não. Uma criança com febre que fica abatida, mas que volta a brincar, a comer e fica alegre quando a febre cessa, tem muito menos risco de ter um problema mais sério, especialmente se essa febre a incomoda há menos de 2-3 dias.


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